Controle excessivo e sermões estimulam mentiras e isolamento; diálogo é o melhor caminho
Tratar o uso de drogas como um tabu, com discursos moralistas e de censura, tende a afastar adolescentes dos pais, segundo especialistas. Na busca por descobertas e enfrentamento, os filhos acabam criando táticas, como mentiras e isolamento familiar, para encontrar fora de casa as respostas e a autoestima que precisam neste período da vida. Assim, a melhor forma de lidar com o problema é por meio do diálogo.
Fingir que o assunto não existe ou simplesmente proibir o uso, alegando apenas que faz mal, não é o melhor caminho, apontam profissionais da saúde. A exigência é vista como censura pelos adolescentes, que não deixam de pensar no assunto, nem mudam suas convicções.
“Ele apenas deixa de dizer a você e isso pode ser muito perigoso”, afirma a psicóloga Carolina Correia, membro da Associação Brasileira de Ciência do Comportamento e pesquisadora do Instituto de Psiquiatria da USP (Universidade de São Paulo)
“É nesse momento que os pais perdem o acesso ao mundo interno dos filhos, que as mentiras começam e que eles vão buscar referências e respostas fora da família“, alerta.
Exagerar no controle e nos sermões produz um clima familiar hostil, estressado e sem diálogo, diz a profissional. A proibição vai fazer com que os filhos tentem proteger sua privacidade, evitando falar de si e omitindo sentimentos e dúvidas.
“É por isso que censurar é tão perigoso. O adolescente não se sente aceito por ser quem ele é, tampouco fica à vontade para se expressar”, diz Correia
A profissional aponta que tanto a literatura científica quanto a prática clínica revelam que a monitoria negativa, na forma de supervisão estressante, é a prática parental mais associada ao uso de drogas na adolescência.
Isso se deve ao desenvolvimento socioemocional desta fase da vida, que passa pelas emoções, sentimentos e pensamentos. “O processo de socialização começa no grupo familiar e se expande para outros grupos sociais, tornando-se mais complexo. Por isso as práticas parentais são consideradas fatores de proteção, quando positivas, ou de risco, quando negativas”, enfatiza Correia.
O diálogo foi o modo escolhido pela chefe de cozinha Simone Chaves para alertar a filha, hoje com 13 anos, sobre uso de drogas. O assunto teve início quando a menina tinha 9 anos e percebeu que uma amiga mais velha havia fumado maconha.
A mãe afirma que nunca a proibiu de usar, mas acredita que se isso acontecer a filha vai lhe contar. Também não a proíbe de andar com ninguém, mas orienta escolher com cuidado suas amizades. “Ela acaba excluindo os amigos que usam por ver seus comportamento.”
Um adolescente com boa autoestima fica mais protegido, pois tem menores chances de se envolver com comportamentos de risco em busca de aceitação social. Assim, a melhor forma de lidar com o assunto é conversar antes da criança ter acesso às drogas. Quanto mais cedo o diálogo ocorrer, mais confortável e natural será para ambos.
Foi assim na casa da professora Josiane Cesquim e do engenheiro civil Murilo Cesquim. Eles aproveitaram um questionamento do filho Fernando, 10, e entraram no assunto.
Com o diálogo aberto, o garoto passou a perceber que o uso pode trazer prejuízos no futuro, afirma a mãe. “Também gosto de abordar a questão do álcool. Quando saímos e o pai dele bebe, já pergunta se sou eu quem vai dirigir.”
Quando os pais usam ou já usaram drogas, o discurso também deve ser sincero, mas sem muitos detalhes, para não provocar o interesse no uso, orienta a psicóloga Carolina Correia. “Não precisa contar como, onde, com quem ou porquê você usou. Não relate a situação como se fosse um evento.”
Se os responsáveis usam de forma recreativo, diz ela, não há necessidade de contar, porém, se houver o vício, a profissional orienta falar a respeito, pois em algum momento o adolescente pode perceber.
“Se você tem um problema com o uso de drogas, pode expressar ao seu filho o quanto está lutando para superá-lo. Isso pode mostrar a ele os prejuízos, muito mais do que um discurso”, enfatiza Correia.
O uso de drogas, inclusive as lícitas, como cigarro, bebida e medicamentos, podem ser incentivo aos adolescentes, mas também pode ser utilizado como mediador para a família se aproximar, se escutar e se cuidar, afirma a psicóloga Gabriela Gramkow, doutora em Psicologia Social e professora da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
Ela ressalta que o problema deve ser olhado com muita delicadeza e escuta, sem julgamento moral, o que impede aproximação e cuidado. É necessário acolhimento, escuta e presença contínua para que não haja isolamento ou desconfiança.
“Tente entender como seu filho está vivenciando isso, como está sendo esta experiência para ele, quais efeitos está causando, como se deu o acesso à droga e quais seus planos com o uso”, sugere. O trabalho pode contar com a ajuda de pessoas de referência para o adolescente, como um parente, alguém da comunidade, uma figura religiosa ou um profissional de saúde. “É importante lembrar que em caso de famílias distantes esse é o conflito a ser enfrentado, a distância entre pais e filhos
Fonte: Mais Goiás